domingo, 7 de outubro de 2007

MINHA SAGA (FANTASIA VERSUS REALIDADE) - III



“APRENDENDO A CONVIVER COM A DOR”


O pai de minha mãe, foi mais que meu avô...
Acho que foi o melhor amigo que já tive!

Sabe àquele avô que andava a cavalo com a neta na garupa?
Que navegava rio abaixo com a neta na proa da canoa?
Que tirava o leite da vaca, bem quentinho, "espumando",
e o primeiro copo, era para a neta que não largava o seu pé?

O meu avô me chamava de "Nenen"...
E como Ele, os meus tios sempre me chamaram assim!

Eu adorava o meu avô!

Separar-me dele, foi a coisa mais difícil,
quando precisei vir para a cidade, estudar!...

Os primeiros meses foram muito duros.
Eu chorava muito! Estranhei o ambiente!...
O contato com a natureza, me fazia uma falta imensa!
E só me senti um pouco mais animada, quando passei a ter
a companhia do “meu pé de algodão pará”...

Meu avô, sempre que podia,
vinha me pegar nos finais de semana!...
Preocupado com a minha tristeza,
alegou aos meus pais que se encontrava
"doente do coração",
e que precisava alugar uma casa "na rua",
perto deles,
pois assim, eu poderia fazer-lhe companhia durante a semana,
e nos finais de semana,ir com ele, para o campo!...
Meus pais, concordaram!
A casa foi alugada, e voltei a ficar com meu avô!
Eu sempre soube que Ele fez àquilo,
unicamente por minha causa,
pois nunca teve medo de doença de espécie alguma,
e não gostava da vida urbana,
coisíssima” nenhuma!

Grande e bondoso, avô!

Como autêntico nordestino que era,
meu avô gostava muito de música sertaneja!
Era apaixonado pelas músicas de Luiz Gonzaga!

Luiz Gonzaga, foi o nosso Rei do Baião!
Cantava para o sertanejo sofredor,
e deixou músicas belíssimas, a exemplo de
"Asa Branca", seu grande clássico,
que ultrapassou fronteiras, e tornou-se conhecida e famosa,
não apenas no Brasil, mas também, em diversos Países!

Os meus avós maternos, chamavam-se:
Joaquim e Joana!
Eu os tratava carinhosamente, por:
"Papai Quinca" e "Mãe Joana"!

"Mãe Joana", havia ficado cega, muito nova!
Infelizmente, sua cegueira, era irreversível!
Ela era branquinha, pequena, delicada,
tinha os olhos muito azuis, da cor do céu...
Era bonita e melancólica, gostava de cantar,
e tinha uma bela voz.
Eu sentia muita ternura por Ela, e, tentava,
através das palavras,
fazer com que Ela enxergasse com a alma,
o que não podia enxergar com os olhos!

Já o meu avô, era de estatura alta!...
E, também, tinha os olhos azuis!
Era forte, corajoso, e bastante enérgico!...
Mas, comigo, sempre foi muito doce e carinhoso!

Para agradá-lo, eu cantava as músicas de Luiz Gonzaga,
que Ele mais gostava!
também, para agradá-lo, eu entrei para um curso de artesanato,
com o único objetivo de aprender a fazer chapéu de palha,
pois assim, eu poderia fazer chapéus para Ele usar no campo!

Diariamente, ao entardecer,
Ele caminhava ao redor da casa, e rezava um rosário...
Eu o acompanhava em silêncio!
Depois Ele se deitava numa rede, na sala!
Então, Ele acendia o cachimbo,
e enquanto fumava, eu, sentada sobre seus joelhos,
cantava sua música preferida!
Sempre que eu terminava,
ele pedia para que eu cantasse outra vez!...
Eu cantava!... Ele sorria!
Depois, visivelmente satisfeito,
Ele me contava as histórias de suas andanças!...
E, todo dia, era sempre a mesma coisa!

Eis um versinho da música de Luiz Gonzaga,
que mais cantei para o meu avô:

“Reinado, Coroa,
tudo isso, o baião me deu...
Estrela de Ouro no meu Chapéu
Roupa de Couro e Gibão...
Como um milagre caído do céu,
fizeram-me o Rei do Baião...”

Em certo anoitecer, Ele pediu para que eu cantasse,
mais vezes do que de costume.
Eu terminava, e Ele pedia:
"Cante de novo, Nenen"!...
Eu cantava!...
Até, que num dado momento, terminei,
e Ele não pediu mais!
Pensei que tivesse adormecido. E tinha mesmo!...
Só que dormia o sono derradeiro!
Em sua boca, ainda pairava um sorriso, igualzinho
ao de momento antes, quando havia pedido:
"Cante de novo, Nenen"!...

Eu, que nada havia entendido, ainda,
continuava, ali, esperando!...
E Ele, não pedia!...
E nunca mais iria pedir!
Só que naquele momento, eu não sabia!
Ele estava com 85 anos!... Teve um enfarte fulminante,
e morreu silenciosamente, tal qual um passarinho!
Partiu enquanto eu cantava a música que tanto gostava!...

Meu Deus!
Eu tinha apenas 10 (dez) anos,
e ainda não havia visto ninguém morrer!...
E, ainda mais, comigo, no colo!
Eu não conhecia a tristeza de perder uma pessoa querida!

Quando finalmente, pude entender o que acontecera,
fiquei sem voz!...
Nem chorar, naquele momento, eu consegui!...
Senti uma dor surda, funda, indefinida!...
E mergulhei no silêncio!

O chapéu de palha que eu começara a fazer,
ficou pela metade!...
E por muito tempo,
permaneceu num cantinho do quarto em que Ele dormia,
entre o cachimbo e o rosário!

Na casa de campo dos meus avós,
ficaram residindo os meus tios,
que sempre me trataram com muito carinho!
Minha avó, obviamente,
passou a precisar mais ainda, de ajuda!

Sem "Papai Quinca", tudo ficou bastante triste!...
Passei muitos dias, calada!
Até que, em dado momento,
uma certeza chegou à minha consciência:
meu grande amigo havia ido embora!...
Eu não poderia mais contar com ele!...
E, precisava aprender a tomar conta de mim!

Resolvi que seria forte!... Muito forte!...
Que ajudaria a cuidar de minha avó!...
Que não haveria de temer às dificuldades!...
E, que lutaria de corpo e alma, para realizar os meus sonhos!

"Mãe Joana", passou a morar na casa dos meus pais!
E o meu gatinho,
que já não tinha mais o meu avô para cuidar dele,
veio também.
Felizmente, meu pai, mostrou-se indiferente,
e desde então, meu querido gato
passou a viver sob os meus cuidados!

Eu me revezava, ajudando minha mãe nas tarefas domésticas,
auxiliando minha avó no que ela precisava, e estudando!...
Meu pé de algodão pará, de vez em quando,
me dava lindas flores!
Deus, generosamente,
me permitia rever "Papai Quinca", em sonhos!...
E nos finais de semana, sempre que podia,
aproveitava para matar as saudades do campo!

Em 1966, "Mãe Joana" foi encontrar-se com "Papai Quinca"!
Senti uma sensação de vazio enorme, chorei muito,
porém um pensamento me consolava:
alguma coisa, me dizia, que ela, finalmente,
havia voltado a enxergar!

O tempo, foi passando!
Estranhamente,
passei a ter pressentimentos de que minha vida sentimental,
seria complicada e turbulenta...
e manifestava os meus presságios, escrevendo...
foi quando escrevi o soneto, a seguir:


VOU À TI, TRISTEZA!

“As esperanças são como as estrelas:
brilham, mas não trazem luz;
são lindas, mas ninguém as alcança.”
(COELHO NETO)


Eu bem quisera evitar-te, e no entanto,
já te sinto ao meu lado, caminhando!...
E enquanto te aceito no meu pranto,
a angústia, mal posso ir disfarçando.

Tu me olhas com ânsia e desencanto,
como quem sente a dor que vai causando!...
E então, minha mágoa cresce tanto,
que me rendo, e te falo, sussurrando:

Vou à ti, oh! Tristeza, e com carinho,
abraçar-te, beijar-te, e de mansinho,
repousar no teu leito acolhedor!...

Vou buscar-te, extremada companheira!
Entregar-te minh’alma aventureira!...
Conquistar-te, e depois... Morrer de Amor!

(Dezembro de 1967)

O tempo andou mais um pouquinho!...
... O meu corpo começava a sofrer transformações,
ganhava formas.
Eu desabrochava para a vida, de forma saudável!
Comecei a fazer parte da JEC - Juventude Estudantil Católica,
movimento que
me fazia um grande bem, considerando que,
nas horas vagas eu me dedicava
às crianças abandonadas (nos orfanatos)
e aos idosos carentes (nos asilos)!

A vida seguia rotineira.
Eu estudava... lia bastante... escrevia sem parar!...
E sempre que podia, corria para o campo!
Já então, eu era olhada de forma insistente,
pelos rapazes do Colégio.
Mesmo assim, não dava importância aos olhares.

Eu não participava de festas!...
Meu pai era muito rígido, e não permitia
a visita de rapazes, nem mesmo para as tarefas escolares,
realizadas em grupo.
Isso porém, não me chateava, pois em verdade,
eu não me preocupava com namoro.
Eu sabia que era muito nova, e no íntimo,
eu desejava que o amor só chegasse para mim,
quando me sentisse pronta para amar!

Comecei a escrever um diário...
entretanto, por mais que tentasse deixar a escrita
somente em forma de prosa... surgia sempre um versinho...
assim, os meus escritos foram incorporando
a figura do “ecletismo”.
E se “cadernos”, falassem... eu nem sei como faria
para conter as vozes que tanto me embalaram
no limiar dos sonhos e das ilusões...


POESIA DOS VERDES ANOS...

“O que é a originalidade?
Um plágio que não foi descoberto.”
(DEAN WILLIAM)


Na passarela da fantasia,
vou desfilando...
Seguindo os passos da poesia,
vou debutando...

Vou desfilando
com meus anseios primaveris...
Vou caminhando,
na esperança de ser feliz!

Na passarela do encantamento,
vou debutando...
entregue ao sonho e ao sentimento,
vou caminhando...

Vou desfilando,
embalando a alma e o coração...
vou debutando,
dançando a valsa da ilusão!

(Agosto de 1969 )


Aos 15 (quinze) anos, eu era uma adolescente romântica...
e vivia em completa interação com os encantos da natureza!...
Foi então que nos meus sonhos,
comecei a me fantasiar de "gazela", e, a "fazer de conta"
que corria em lindas savanas, plenas de esperança,
e, de liberdade!
Como "gazela",
eu procurava os sonhos cor de rosa,
imaginados pela adolescente
que debutava ternura, emoção e pureza!...
Eu ainda não tinha namorado!...
Entretanto,
o meu instinto feminino já me permitia imaginar
como seria o meu príncipe encantado:
Suave. Forte. Romântico. Carinhoso. Gentil. Lírico. Apaixonado!

Eu desejava que Ele surgisse, como surgem os Príncipes
nas histórias de Contos de Fadas!...
Eu me encontraria no campo, perto de um lago muito azul!...
Ele chegaria num lindo cavalo branco!...
Eu sonhava!... Sonhava!... Sonhava!...
No meu sonho, tudo era lindo e maravilhoso!...
E, então, tudo transformou-se em pesadelo,
de grotesca violência!
Quase, morri!

Vítima de um golpe traiçoeiro, completamente inconsciente,
fui levada para um local deserto, onde,
algum tempo depois, fui encontrada desfalecida!
Resgatada por pessoas bondosas,
e em estado de inconsciência total,
fui examinada no pronto socorro médico.
Os exames revelaram que havia sido narcotizada.
Só depois de 24 (vinte e quatro) horas de sono ininterrupto,
recobrei os sentidos!...
Felizmente, não me lembrava de nada!

Quando, finalmente, fui devolvida à minha família,
eu já não era a criatura compreensiva e suave
que sempre fora!
Tinha o olhar assustado, o coração machucado, a alma ferida!

Naquele momento,
não tinha forças,
nem percepção,
nem palavras,
para manifestar coisa alguma!
As pessoas falavam, falavam, e eu nada entendia!
Tudo que eu sentia,
era uma angústia inexplicável, indescritível, insuportável!...
E, ao mesmo tempo, uma necessidade miserável de chorar!

Tarde fria!... Amarga!... Abominável!...
E, ao mesmo tempo, inesquecível!...

Eu nunca desejei tanto, uma flor lilás,
como naquela tarde dorida!

Aturdida, desorientada, prestes, a desmoronar,
pensei no amor de Deus, e, em silêncio, roguei:
Meu Deus! Me dê forças!... Me ajude!... Me salve!

E eis que, de repente...
como se me acordasse de um sonho
que resistiu à violência, e à revolta...
uma voz falou mais alto em meu íntimo:
"Não se entregue! Você é forte! Não chore!
De que adianta chorar?!...
Lute! Resista! Reaja!
A vida, está apenas, começando
!"

Não chorei!

Minha expressão, porém, mudara!...
Mostrava-se dura, e determinada!
Minha mãe, que parecia ser vidente (pois, seu olhar
sempre desvendava o que transparecia no meu rosto),
visivelmente preocupada, perguntou:
"O que você pretende fazer"?

A resposta foi rápida, e, definitiva:
- Ir à luta!

Não houve protesto!...
Estava escrito no meu rosto...
transparente na minha voz...
espelhado no meu olhar:

Morria, a "adolescente romântica"!
Nascia, a "mulher guerreira"!

(Dilma Damasceno)

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