terça-feira, 2 de outubro de 2007

MINHA SAGA (FANTASIA VERSUS REALIDADE) - II



“NO LIMIAR DAS EMOÇÕES”


‘Eu não entendo nada de comportamentos!
"Acho", porém, que as decepções,
muitas vezes,
deixam marcas profundas no ser humano!
podem ficar gravadas no coração...
podem deixar cicatrizes na alma!...
Mas, também, podem servir de referências...
de aprendizado... de mudanças!'

Quando menina, até os sete anos, eu vivi no campo,
na companhia dos meus avós maternos,
em perfeita sintonia com a natureza...
Foi um tempo lindo!
Depois, em função dos estudos, tive que mudar para a Cidade,
passando a residir com os meus pais.
A minha vida mudou completamente!
Não, que eu não gostasse dos meus pais.
É claro que gostava... que sempre gostei... e muito!
Mas, minha alma e meus costumes,
sempre foram campesinos!...

Sem plantas e sem animais, distanciada da natureza,
e com saudade dos meus avós (principalmente, do meu avô),
eu me sentia muito solitária, e também, muito triste!
Acho que passei a sofrer o mal de "banzo"...
E quando anoitecia,
a melancolia se apossava do meu ser,
tomava contados meus sentimentos,
e me deixava "insegura"!

Foi então que comecei a desejar um animalzinho de estimação,
e uma muda de planta!
Uma irmã de minha avó materna
(uma velha tia - "solteirona", mística, e bondosa),
me ajudou a conseguir uma “mudinha”...
e assim que me vi
com àquele pedacinho de coisa verde nas mãos,
corri para o quintal, e plantei,
o que mais tarde, seria
"o meu pé de algodão pará"...
e, que na primavera seguinte,
passaria a me encantar com suas lindas flores lilases!

Todavia, faltava o animal de estimação...
e como eu desejava, um gato!
Deus me ouviu, e numa tarde chuvosa,
apareceu nas imediações da nossa casa,
um gatinho que vagava, solitário.
Fiquei comovida e feliz,
e comecei a cuidar dele, com imenso carinho!
Mas meu pai não gostou do meu apego ao felino,
e passou a reclamar constantemente...
Para evitar aborrecimentos,
o meu avô resolveu levar o gatinho para o campo,
prometendo cuidar bem dele.
E sempre que podia, me levava para vê-lo.

A minha irmã mais velha recebia muitas atenções do meu pai,
que sempre a botava no colo,
esperava que ela dormisse, e, em seguida,
a acomodava na cama!
Ele jamais me fez afagos!
O fato de eu ter passado muito tempo com meus avós,
contribuiu para que se dedicasse à minha irmã!

Os meus momentos de alegria eram raros...
entretanto, bastava um sinalzinho da natureza,
para que eu me alegrasse...
Quando chovia, então... era uma festa!
Sempre gostei de tomar banho de chuva,
de dançar na chuva,
de cantarolar na chuva...
e nesses momentos,
cantarolava alguns versinhos de músicas que aprendera
com minha avó e com minha mãe.
Às vezes, era música de Luiz Gonzaga:


“Lá no meu pé de serra,
deixei ficar meu coração...
Ai, que saudade eu tenho...
eu vou voltar p’ro meu sertão...”


Outras vezes, era música de Carlos Galhardo,
cantor da Velha Guarda:


"Certa manhã, destas manhãs cheias de luz
por entre as rosas do jardim eu vi passar
gentil borboleta de asas azuis,
e o seu vôo incerto me fez pensar..."

Ou então, era música de Cascatinha e Inhana
(Dupla Sertaneja)...
preferencialmente, “índia”...

“Índia, seus cabelos nos ombros, caídos...
negros como a noite que não tem luar...
Seus lábios de rosa para mim sorrindo,
e a doce meiguice deste seu olhar
Índia da pele morena, sua boca pequena
eu quero beijar...”

E para completar o repertório saudosista,
misturava versos de
cantigas de roda”...

“O cravo brigou com a rosa
debaixo de uma sacada...
O cravo saiu ferido
e a rosa despetalada...”

com versos de “cantigas de ninar
que inventava para minhas bonecas de pano...

bonequinha linda,
do meu coração...
é hora de dormir...
durma, bonequinha...


... A minha mãe, sempre foi compreensiva comigo...
só que era bastante ocupada,
e nunca tinha tempo para me dar atenção!
Trabalhava bastante... gostava de costurar à noite...
sempre fazia "serão"...
e, enquanto ela costurava,
eu costumava ficar em algum recanto da casa...
muito quieta...
de preferência, no batente da porta da cozinha,
e quase sempre, na penumbra,
na esperança de ver algum pirilampo!

Certa noite, ouvi um barulho,
como se alguma coisa houvesse caído do telhado...
depois, ouvi um som esquisito e fraco...
acendi a luz, olhei ao redor,
e vi um ratinho que esperneava.
Ele era muito novo, e, vermelho... ainda não tinha pêlos!
Estava trêmulo, em decorrência da queda e do frio.
Coloquei-o no colo e o aqueci...
depois que ele dormiu,
resolvi acomodá-lo na gaveta de um armário que ficava
no quarto onde eu dormia!
No dia seguinte, vi que ele estava esperto,
embora, meio agitado.
Achei que estivesse com fome e lhe dei um pouquinho de leite...
ele aceitou... e, continuei a alimentá-lo.
Passei a dar-lhe farelos de queijo e de pão, água e leite,
em horários regulares... ele aceitava, tudo!
Depois, achei que devia dar-lhe um nome,
e resolvi chamá-lo de "tiquinho"...

Os dias foram passando!...
Quando ia para a Escola, eu levava "tiquinho" comigo,
dentro de uma
caixa pequena, na qual havia feito alguns buracos
para que ele pudesse respirar!
Em verdade, eu o levava comigo,
para protegê-lo dos gatos da vizinhança!

Aos poucos, ele crescia, e se mostrava dócil...
eu sabia que chegaria um momento
em que ele teria que ir embora, porém,
ficava sempre protelando, e dizendo para mim mesma:
amanhã ele vai...
ou então, falava para ele:
amanhã você vai, "tiquinho"!
Ele, porém, parecia nem ligar...
e no outro dia, a coisa se repetia...

Até que meu pai tomou conhecimento do que estava acontecendo,
e naturalmente, não gostou!
Bastante zangado, me chamou em voz alta, e de forma autoritária,
ordenou-me que fosse buscar a caixa,
dizendo que queria olhar o ratinho, nada mais!
Confesso que me senti um pouco atemorizada...
porém, sempre fui muito crédula, e acreditei!
Por outro lado, eu jamais fui desobediente.
Então, fui buscar a caixa e a entreguei.
Só que, em seguida, meu pai abriu a caixa e “tiquinho” saiu...
a porta estava aberta, e logo surgiu um gato da vizinha...
pressentindo o que poderia acontecer,
tentei correr para alcançar o ratinho,
mas meu pai não permitiu...
Logo, o gato fisgou “tiquinho”, e começou a maltratá-lo...
ele tentava fugir, mas não conseguia...

Por mais absurdo que pareça
(e era... só que naquela fase, o meu sentimento não absorvia),
eu havia me afeiçoado ao pequeno roedor!
Os seus gemidos doíam no meu coração!
Eu fechava os olhos para não ver àquela cena que me angustiava,
mas ouvia todos os ruídos.
Foi uma luta extremamente desigual!
Nunca me senti tão impotente!...
Os olhos marejados,
as pernas trêmulas,
o coração descompassado...
até que não agüentei mais, e tive um acesso de náuseas.
Senti calafrios, no corpo, no coração, e na alma!

Depois de um tempo que pareceu uma eternidade, os ruídos cessaram.
Devagarinho, abri os olhos, e vi apenas o gato, lambendo as patas,
e olhando para os lados, visivelmente desconfiado!
Estava tudo terminado!...
"tiquinho" havia ido embora da forma mais dolorosa!...
E, a culpa, era toda minha!
Amargurada, saí correndo e fui me refugiar à sombra do
meu pé de algodão pará!

Chorei muito, e embora eu não soubesse se rato tem alma,
pedi perdão à alma de "tiquinho",
por não ter conseguido evitar o seu sacrifício!...
Por não tê-lo deixado ir embora, antes, com vida!...
E pedi a Deus para que ele
fosse melhor protegido no seu novo mundo!...

Não sei se posso chamar de mágoa àquela dor desmedida que senti!
Ao mesmo tempo, não sei precisar o que doeu mais:
se foi presenciar o fim de "tiquinho", daquela forma,
ou se foi a forma severa
como meu pai me tratou naquele momento!...
Lembro que, passei algum tempo
amargurada e chorosa... e sempre que ele falava autoritário,
eu pensava que estava para acontecer um
"holocausto de rato"!

Minha professora, ao notar minha tristeza,
quis saber o que eu tinha.
Ao contar-lhe, ela, com brandura e paciência,
me alertou dos perigos que os ratos oferecem.
Falou que meu pai teve razão em não permitir que eu
continuasse tendo contato com um animal tão perigoso,
apesar de pequenino!...

Mesmo assim, eu me sentia dividida,
entre a "voz da razão" e a "voz do coração"!...
A "voz da razão",
me dizendo que meu pai agiu daquela forma,
para me proteger!...
A "voz do coração",
me dizendo que ele agiu daquela forma,
porque não me amava com a intensidade de amor
que eu tanto desejava!

Por alguns dias fiquei bastante quieta!
Depois, comecei a fazer indagações a mim mesma:
por que eu era tão boba, tão ingênua, tão sentimental?

A vida começava a se mostrar com outras faces:
existia preferência, disciplina, castigo, severidade, indiferença!...
Eu precisava me ajustar à nova vida, que, infelizmente, para mim,
já não era feita somente de flores, borboletas, e passarinhos!

E continuavam as minhas indagações:
O final trágico do ratinho,
não teria representado o símbolo de um comportamento?...
Não teria sido, àquela,
a forma que meu pai encontrou para me ensinar
a conviver com a "dureza",
cortando pela raiz,
o mal que poderia advir do meu gesto impensado?

Hoje, o que me faz admitir que o meu pai
(um homem simples, sem estudos,
porém dotado de sabedoria nata),
acertou”,
ao decidir por àquele tipo de corretivo
que tanto me chocou,
é uma constatação simples e notória:
depois daquele episódio,
jamais em minha vida, eu quis aproximação com ratos!

Gosto imensamente do meu Pai!
E por ironia do destino,
o tempo presente me faz repensar o imaginado
"holocausto de rato",
e incorporar a alguns posicionamentos próprios,
a postura da proteção paterna que recebi no tempo pretérito,
pois, dezenas de vezes,
numa pequena Chácara que tenho,
e onde meu pai, por longo tempo (de 1998 a 2005),
esteve sob meus cuidados, eu me surpreendi dizendo,
a título de prevenção:
Pai, esta semana aplicaremos veneno contra ratos!...
Ele, simplesmente ria, e, respondia:

Está certo!

No dia 27/07 próximo passado, meu pai completou 94 Janeiros.
Rezo, e peço a Deus
que prolongue a sua permanência entre nós,
por muitos e muitos anos!

Minha mãe, mudou-se para o plano espiritual, em 1975.
Portanto, há 34 anos,
perdi o seu olhar, a sua compreensão, os seus cuidados!
Seria maravilhoso se ainda
estivesse aqui, e se eu pudesse ser abençoada por Ela, de viva voz!

Da mesma forma, como é maravilhoso e gratificante,
nos momentos de acordar e de dormir...
olhar, agradecer, rezar, e pedir:
Minha bênção, Pai!

Gostaria muito de entender sobre comportamentos,
pois, se entendesse,
talvez tivesse compreendido mais cedo,
que os acontecimentos envolvendo o ratinho,
e que tanto me afetaram,
comparados às mágoas, às decepções, e aos obstáculos
que o destino me reservara,
foram insignificantes e pequenos!...
E, comparados
às dificuldades e amarguras de tantas pessoas,
talvez, nada representem!

Mas, convicta de não entender mesmo,
nada, de comportamentos,
cumpre-me declarar:
em seguida ao episódio "tiquinho",
um novo ciclo de vida, me absorveu:
Meus sonhos mergulharam em águas de correntezas diversas!...
Felizmente, continuavam plenos de esperança, ilusão, e, pureza!...
Em verdade, a minha vida estava, apenas, começando!...
Eu era uma criança/adolescente,
apaixonada pelo campo, e pelos encantos da natureza!...

O gosto pela escrita, começava a brotar...
e numa tarde cinzenta, coloquei no papel,
o sentimento:


Quando eu crescer,
quero ser Escritora...
Vestir vestidos longos...
colocar uma rosa nos cabelos...
e escrever meus sonhos!


E ainda sem entender os sentimentos do perdão, e do pecado,
passei a sonhar com maior intensidade!

(Dilma Damasceno)

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